O escritor paulista Lourenço Mutarelli nasceu em 1964 e depois de um certo esforço conseguiu ter suas obras publicadas, tendo as primeiras sido recusadas por serem consideradas muito 'estranhas'.
Muitos devem conhecer seu nome pelo filme "O Cheiro do Ralo" (livro seu escrito que virou filme dirigido por Hélio Dahlia e interpretado por Selton Mello) ou do filme que também é peça que estava em mostra no Centro Cultural de São Paulo mês passado, "O Natimorto" ou também da direção de arte do filme "Nina", também dirigido por Hélio Dahlia.
Se ainda não conhece, deve ter visto em alguma biblioteca ou livraria as Graphic Novels "Transubstanciação", "Mundo Pet", "A caixa de areia" ou a saga de Diomedes ("O Dobro de Cinco", "O Rei do Ponto" e "A soma de tudo" I e II e outras)
Se ainda nunca ouviu falar nem leu nada, talvez seja agora a hora.
Mas já aviso de antemão que as obras de Lourenço Mutarelli não são para todos.
Ao mesmo tempo que há uma beleza constante na escrita, há uma agressividade e uma paranóia constante, seja pelos personagens seus sentimentos ou traumas, seja pelo mundo ou sua rotina ou simplesmente pelas pessoas ao seu redor.
Estou lendo atualmente todos os livros que encontro dele e não posso negar que são simplesmente fodas, mas um mereceu destaque para mim que é o que irei 'desmembrar' (adoro essa palavra) hoje, chamado "Jesus Kid"
O livro narra a história de Eugênio, um escritor de Poket Books (livros de bolso, esses que se vê em bancas de jornal) de estilo western, que tem como personagem principal Jesus Kid, um típico nômade dos desertos que está em todos os lugares, vagando sem rumo (talvez tentando encontra-lo) bem clichê dos filmes de 'bang-bang'. Já um nome 'conhecido' no meio sob o pseudonimo de 'Paul Gentleman', ele é contratado por um produtor e um diretor para escrever o roteiro de um filme, mas não de um filme comum. A intenção é ele ficar hospedado em um hotel durante três meses e assim escrever o roteiro do filme, roteiro que deve ser sobre um escritor que fica hospedado em um hotel durante três meses e tem que escrever um roteiro de um filme. O principal requisito da história é AÇÃO, e nada melhor do que um escritor de Western para escreve-lo.
Sob o pagamento de trinta mil reais, Eugênio aceita a oferta que não é muito bem recebida por Jesus Kid que constantemente está por perto dele. Eugênio é uma pessoa completamente insegura e incerta de suas decisões (vale ressaltar, hipocondríaco) e é sempre acompanhado e as vezes auxiliado por Jesus Kid nas decisões que deve tomar e em seus atos. É como um amigo invisível e as vezes como uma dupla personalidade. O personagem em seus primeiros livros se tornou tão real para ele que ganhou vida e se tornou seu 'amigo'. Mas nunca se esqueça, Jesus Kid não é amigo de ninguém.
Sem nada que o apegue ao mundo de fora e, de certa forma, sem perspectiva, ele entra no hotel e assina o contrato que explica tudo que ele deve e o que não deve fazer: escrever o roteiro em três meses tendo todas as despesas gastas no hotel descontadas do dinheiro que ele receberá (dez mil reais por mês até o final da criação e da estadia) e nunca, em hipótese alguma, sob qualquer circunstâncias deixar o hotel. Isso acarretará em recisão do contrato e algo mais...
Se fosse apenas escrever o livro seria simples, afinal Eugênio nunca passou por um bloqueio criativo e um lugar apenas seu e para Jesus Kid para escrever um roteiro sem ser atormentado pelo mundo exterior pareceria maravilhoso. Se não fosse o constante sumiço da tampa da banheira, o funcionário misterioso Chet (apelido dado por Jesus Kid para Arlindo), do chinês que manda mensagens misteriosas nos 'biscoitos da sorte' e do surgimento da 'Enfermeira Nurse'. (uma das caracteristicas da escrita de Lourenço Mutarelli, o nome das coisas ou pessoas serem as mesmas em inglês: Enfermeira Nurse, Rua Street, Avenida Avenue, etc.) Uma enfermeira bela que cuida de um velho tetraplégico com lúpus e com sérios problemas com álcool e ninfomania.
Como escrever sobre uma coisa que não se sabe? Esse pode parecer o único problema, mas a estadia de Eugênio pode custar muitas coisas a ele, e também a Jesus Kid. Talvez o final como também talvez o começo.Assim, já temor a trama e podemos conciliar a obra com 2 coisas similares que me vieram a mente quando li:
1 - escritor trancado em um hotel para compor um a obra = O Iluminado
2 - Personagem principal conversando com algo que não está lá mas ao mesmo tempo está (fisicamente ou não)= Clube da Luta
Os demais fatores e trechos importantes do livro estão lá, se eu falasse mais estragaria a surpresa, surpresas que estão de cabo a rabo no livro. Mas é uma leitura muito foda, com pin-ups, cowboys, halterofilistas, favelados, funcionários, maníaco-depressivos, funcionários fraudulentos e muita critica a forma de viver da sociedade e da forma como a industria das artes funciona. Principalmente mas não por último, MUITA AÇÃO!
Uma última nota fica para o fato do personagem de chamar Jesus e o tempo todo estar próximo do personagem principal e ele usar sempre frases como 'evoquei jesus', 'chamei jesus', 'jesus me abandonou', 'eu criei jesus pois estava solitário' ou 'preciso da ajuda de jesus'.
Enfim, um livro surpreendente e fodástico.
Nota Pessoal: 9,0
Bacanudo
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