[Casos e Acasos] Branco

Odeio branco. É cor das roupas daqueles caras que me trouxeram aqui. Todo mundo que vem me visitar, também vem de branco. Dizem que vou ficar aqui por pouco tempo. E que tudo dará certo. Sairei daqui novinho em folha e recomeçaremos do zero.

É mentira. Eu sei que é. Consigo ver reticências prolongando cada frase que me dizem, até que a incerteza torne-se visível, consistente. E branca. Da cor da parede desse quarto, que é prisão disfarçada.

Eu já perguntei mais de uma vez porque estou aqui. Quando estava lá fora, só ouvia uns tadinho, não tem consciência de nada, né? Hoje é pior. Eu pergunto e ganho o silêncio como resposta. Que também é branco, por sinal.

Lá fora, as pessoas tinham medo de mim. Velhos conhecidos tiravam as crianças de perto de mim. Pro seu próprio bem, é o que dizem. Preocupação. Branca. Que é medo encolhido. E branco, muito branco.

A palavra que mais evitam usar perto de mim é louco. Hipocresia branca. Se eu sou louco, porque não me chamar assim? Esse eufemismo me deixa irritado. Porque, de alguma forma, ele é branco.

Insegurança, insistência, incerteza, hesitação, ansiedade, hipocresia, eufemismo, preocupação, medo, mentiras, verdades, consciência, inconsciência, loucura, irritação, reticências, branco, branco...

Branco por toda parte. No tudo. No todo. Em mim, na devassidão mundana. Fazer parte deste círculo de gente branca me faz branco. Odeio isso. Porque odeio o que é branco.

Talvez seja louco mesmo. Que importa? Antes louco, apenas. E não branco desse jeito.

Comentários

  1. Tinha que ser a Sam pra escrever um texto bom igual à esse. Lindo(a).

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  2. Caralho que lgl, intenso. Me deixou preso. Parabéns.

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